CINCO
MINUTOS
NON
TI SCORDAR DI ME !
Boa tarde, generoso leitor!
Antes de qualquer coisa, um
feliz Natal!
Hoje
cuidaremos de um escritor deveras famoso, mas cuja leitura e análise da obra
por parte da crítica se fez de forma apressada, cristalizando algumas
conclusões equivocadas que se transformaram em verdades difundidas. Aqui, se
pretende ou quando menos, se propõe uma espécie de revisão de José de Alencar,
sobretudo aquele dos primeiros romances. Por se tratar de matéria extensa,
faremos a exposição em três etapas, visando não fatigar nosso paciente leitor.
Vamos lá!
PARTE I
Trata-se aqui do primeiro romance escrito por José de
Alencar, Cinco Minutos, e que apareceu nas páginas do Diário do Rio de
janeiro, no ano de 1856, sendo a primeira edição em livro levada a efeito em
1860.
JOSÉ DE ALENCAR
IMAGENS
DO GOOGLE
Estruturalmente, a narrativa comporta dez capítulos
curtos, indicados por algarismos romanos. A trama desenrola-se na cidade do Rio
de Janeiro, provavelmente, no ano de 1854, já que o narrador-personagem,
vivendo em 1856, afirma que vai contar uma história curiosa que
ocorreu há mais de dois anos. Não se pode esquecer incursões a
Nápoles, Alemanha, França e Grécia.
Em síntese, o pequeno livro cuida do romance
entre Carlota e o narrador-personagem, iniciando-se com um encontro fortuito e
terminando com um feliz casamento realizado em Florença, na Igreja de Santa
Maria Novela. Retornando ao Brasil vão habitar, na quebrada de uma montanha um
lindo retiro, um verdadeiro berço de relva suspenso entre o céu e a terra por
uma ponta de rochedo.
Entretanto, antes de atingir tal estado de graça, amor e paz, nossos heróis
tiveram que enfrentar duríssimas provas, encontros, desencontros e, sobretudo,
a doença de Carlota.
Os espaços públicos e seus logradouros vão constituir o
palco onde transitam as personagens no desenrolar da trama romanesca. Largo do
Rocio, atual praça Tiradentes, Engenho Velho, hoje Grande Tijuca, Glória,
Andaraí e também Petrópolis.
Os personagens principais são Carlota e o próprio narrador,
que formam o casal de apaixonados. Contamos, no mesmo passo, com a participação
de figuras menores. Uma velha que
passeava pelo braço de um inglês,
franco e cavalheiro, um criado de
fisionomia sisuda, D..., a prima com
quem dialoga o narrador em alguns momentos, Dr. Valadão, velho médico que sabia ler o corpo humano como um
livro aberto, o dono de um cavalo,
um velho pescador e outro homem.
imagem do google
O cenário principal é a
cidade do Rio de Janeiro, possivelmente, no ano de 1854, quando a cidade já
ganhara a iluminação a gás, reinava D. Pedro II, a Rua do Ouvidor catalisava
todo bulício da Corte, concentrando as maiores e mais importantes casas de
comércio e o incansável Barão de Mauá procurava desenvolvê-la a todo transe.
Também se procedia à reforma do ensino primário e secundário, com a edição do
Decreto 1.331-A, trazendo a rubrica de sua Majestade Imperial e sob os
auspícios do Sr. Ministro de Estado dos Negócios do Império, Conselheiro Luiz
Pereira do Couto Ferraz. Alguém já disse que aquele Rio Imperial era uma
verdadeira esquina do mundo. Mas, a crise política e econômica já dava os seus
primeiros e graves sinais.
O móvel da narrativa é um encontro fortuito que gera uma
espécie de amor que não se extingue, apesar dos obstáculos que vai enfrentar.
Assim, o personagem-narrador, que aqui se confunde com o personagem central,
será o organizador e o condutor da narrativa, estruturando o universo
ficcional. Será ele o regente sob cuja batuta os demais instrumentos irão
executar o arranjo romanesco. Trata-se, portanto de uma narrativa de
semiotização do personagem, como será demonstrado mais adiante.
A essa altura cumpre esclarecer que estamos utilizando os
critérios teóricos elaborados por Anazildo Vasconcelos da Silva, no excelente
livro Semiotização Literária do Discurso,
publicado no ano de 1984, pela Editora Elo, no Rio de janeiro.
Colhendo as lições daquele ilustre mestre do qual tivemos
a honra de ser discípulo, nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade
de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, quando o personagem,
através de sua dinâmica subjetiva, investe semiologicamente o discurso
narrativo, ocorre a narrativa de semiotização do personagem. Aqui, semiotizar equivale dizer “dar sentido a partir de “.
Integrando-se ao fio narrativo, a dinâmica do personagem passa a ser a imagem
estruturante do mundo ficcional, submetendo o espaço e o acontecimento. Como
consequência é a dinâmica subjetiva do personagem que dá sentido ao
acontecimento e, no mesmo passo, fundamenta o espaço narrativo, realizando-os
como experiência pessoal. Voltemos ao livro de Alencar.
Objetivando levar a efeito nossa leitura, vamos dividir o
romance em três movimentos. O primeiro
movimento será representado pelo capítulo I. O segundo movimento será sustentado pelos capítulos II, III, IV, V,
VI, VII, VIII e IX. E o terceiro
movimento atualizado pelo capítulo X. Trata-se, portanto, de uma narrativa
bastante linear na qual os movimentos estão a indicar, inequivocamente, início,
meio e fim, como naquelas narrativas simples que assentam na oralidade. O
próprio narrador vem confirmar nossa assertiva quando afirma que é uma
história curiosa a que vou lhe contar, minha prima. Exatamente a partir
daí tem início a trama romanesca.
O
ENCONTRO
Ao
primeiro movimento, constituído, exclusivamente, pelo capítulo I, vamos
denominar o encontro e é nele que se
dá a apresentação de uma misteriosa mulher que será a mola propulsora da
narrativa. Vamos surpreendê-la na parte traseira de um veículo coletivo que
trafegava do centro da cidade, mas precisamente do Largo do Rocio com destino
ao Andaraí. Seriam seis horas da tarde, portanto, quase noite. Na verdade, já
era noite, pois o narrador-personagem perdera o ônibus das seis, só conseguindo
embarcar no das sete. Na forma de costume foi sentar-se ao fundo do carro, a fim
de ficar livre das conversas monótonas. No entanto, um
monte de sedas já ocupava aquele espaço, acomodando-se para facilitar
nosso herói que se sentiu um tanto quanto à vontade com a aparente
receptividade daquela sutil presença feminina. O seu instinto femeeiro nos é
revelado no momento em que o narrador, sem qualquer constrangimento, afirma em
tom de picardia que ele prefere sempre o contato da seda à vizinhança da
casimira. Sentindo-se magnetizado por aquela encantadora e misteriosa figura,
emprega o rapaz todo esforço para desvendá-la. Assim, seu primeiro cuidado foi ver se
conseguia descobrir o rosto e as formas que se escondiam naquelas nuvens
de seda e de rendas. Infelizmente, era impossível. Além da noite estar escura,
um maldito véu que caía de um chapeuzinho de palha não deixava a menor esperança
ao aflito moço.
Já um tanto quanto resignado, o rapaz deixa seu
pensamento vagar pelo mundo da fantasia. De repente, sente
o
contato suave de um outro braço que parecia macio e aveludado como uma folha de
rosa. É que, para grande surpresa do rapaz, o contato físico se foi
estreitando, como se ele estivesse sentado junto a uma mulher que já o amava. A
pressão entre os corpos torna-se mais forte. Ele sente o ombro dela
aconchegar-se de leve ao seu peito. Em virtude daquele contato voluptuoso, o
rapaz colou os lábios no ombro da moça que estremecia de emoção. Estabelece-se
entre os dois jovens uma espécie de colóquio amoroso marcado pelo silêncio e,
sobretudo, por contatos excitantes e breves nos quais as mãos e os lábios
expressam todo magnetismo da atração recíproca. Não se deve deixar passar
impunemente o bafejo suave de aroma de sândalo que exala do corpo feminino.
Aroma que aspirado voluptuosamente pelo rapaz infiltra-se-lhe na alma
como um eflúvio celeste. Estava nosso herói como que embriagado e mergulhado
em profundo devaneio, uma espécie de êxtase erótico, quando o ônibus
parou e uma senhora ergueu-se e saiu. O rapaz sente, ainda, um aperto
na mão e vê uma silhueta feminina passar diante dos seus olhos no meio do ruge-ruge
der um vestido. Era a mulher misteriosa que abandonava o veículo
abruptamente. A sorte do moço estava lançada – Non ti scordar di me !