sábado, 20 de agosto de 2016

O Doido de Moçambique


O ilustrado leitor, certamente, já ouviu falar de Tomás Antônio Gonzaga, autor do famoso livro Marília de Dirceu que o tornou no século XVIII o poeta mais popular em língua portuguesa, excetuando-se Camões.
Hoje, o livro anda um tanto quanto esquecido, sem que diminua a posição sólida e definitiva que ocupa o autor no panorama geral da literatura brasileira.
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Na verdade, Tomás Antônio Gonzaga nasceu em Miragaia, Portugal, no dia 11 de agosto de 1744, portanto, era português.  Mesmo assim, como bem salientou Eduardo Frieiro, no genial livro O Diabo na Livraria do Cônego, Gonzaga tornou-se uma glória brasileira, pertence-nos, pois é criação nacional como personalidade revelada pela história.  A imagem legendária do apaixonado cantor de Marília formou-se no Brasil na consciência das gerações românticas nacionais.  Gonzaga é nosso, afirma o grande crítico mineiro, pois foi aqui, em terras brasileiras, que viveu alguns dos melhores anos de sua existência.  Foi em Vila Rica, hoje, Ouro Preto, que conheceu seu grande amor Maria Doroteia Joaquina de Seixas, uma sinhazinha de 19 anos, a mais formosa moça do lugar.

E ele já quarentão viu naquele anjo de candura e beleza a possibilidade total de realizar seu sonho de felicidade tranquila e doméstica.  E foi assim apaixonado que transformou Maria Doroteia em Marília, a sua Marília de Dirceu, sendo este último nome seu pseudônimo artístico.
É meu caro leitor, só que o destino não foi generoso com aquele juiz casquilho e poeta galanteador.  Marília acabou não sendo de Dirceu, pois Gonzaga foi preso e desterrado para Moçambique, nas vésperas de seu casamento, acusado de ser participante ativo da malfadada Inconfidência Mineira de 1789.
Por isso, Silvio Romero, no tomo segundo da sua monumental História da Literatura Brasileira, afirma que Tomás Antônio Gonzaga era um talento lirico, alegre, naturalista, um homem expansivo, algum tanto sensual, capaz de amar loucamente, entusiasta pelo espírito de sua querida Marília.  Mas, sobretudo, entusiasta pelo seu regaço, por suas faces, louco por provar as delicias que o fariam renascer um homem novo.
Como bem esclarece Frieiro, Maria Dorotéia roçava pelos 19 anos de idade.  Era o ideal: uma mulherzinha em flor. Gonzaga supunha-se em boa forma, com as melhores disposições para realizar a união.  Com exaltação da própria masculinidade, típica do macho que ronda sua fêmea, declara sem maiores rodeios, na primeira lira dedicada a Marília o seguinte: 

Eu vi o meu semblante numa fonte
dos anos inda não está cortado,
os pastores que habitam esses montes,
 respeitam o poder do meu cajado.

Com tal destreza toco a sanfoninha 
que inveja me tem o próprio Alceste
do som dela concerto a voz celeste
nem canto letra que não seja a minha.

Mas, a aspereza do governo colonial ceifou o sonho do poeta apaixonado.
Gonzaga foi condenado a degredo, sendo sua pena comutada em desterro, por dez anos em Moçambique, África. 
Onde, segundo consta no livro do ilustre Silvio Romero, a página 133, Gonzaga teria falecido louco.
Não, amigo leitor, em que pese o indiscutível saber e a sólida cultura do Sr. Romero, Gonzaga não morreu louco e não perdeu o juízo em momento algum da sua existência.
Na verdade, criou-se uma espécie de lenda e torno do desditoso poeta, segundo a qual ele ia perdendo a razão ou chegou mesmo a perdê-la, em consequência da história tocante que se formou em torno do seu amor.  De acordo com essa história, Gonzaga teria vivido alguns anos no desterro africano, mergulhado em morna tristeza, enfermo e meio louco, só amparado na desgraça por um comerciante de Moçambique, Alexandre Roberto Mascarenhas.  
A verdade é bem outra, paciente leitor, degredado para Moçambique, Gonzaga lá chegou em 1792 e já no ano seguinte, 1793, casa-se com Juliana de Souza Mascarenhas, moça de 19 anos, filha do amigo rico Alexandre.  Contava o poeta 49 anos de idade.
Já em 1800 é considerado uma das principais pessoas de Moçambique, onde exerceu a função de Procurador da Coroa e Juiz da Alfândega, elevado cargo que ocupou até a sua morte, ocorrida no ano de 1810, aos 66 anos de idade.
Adelto Gonçalves, no profundo e belíssimo livro  Gonzaga, Um Poeta do Iluminismo, afirma que, ao falecer, deixava ele a mulher Juliana de Souza Mascarenhas, de 35 anos, e os filhos Ana de 15 e Alexandre com 1 ano incompleto.
Os fatos arrolados pelo brilhante pesquisador na sua obra fundamental, permite afirmar que Gonzaga ao final da vida, podia ser considerado um homem realizado, tendo alcançado no exílio o seu ideal familiar e burguês, pois casou, teve filhos, engordou na abastância e morreu rico e bem conceituado, no dizer de Eduardo Frieiro.
Quanto a participação de Gonzaga na conjuração mineira, as pesquisas nada dizem de definitivo.  Se realmente era conjurado, seu papel terá sido ínfimo, pois nos altos da devassa são por demais frágeis os indícios de sua culpa.  Na verdade, foi vítima de acusações maldosas de invejosos e inimigos que fizera no exercício das suas funções.  Em última instância, foi vítima sim de uma prisão injusta e uma condenação brutal, por um governo colonial extremamente leviano, truculento e repressor.  Doido não. 
Despeço-me do paciente leitor, não sem antes recomendar a leitura dos magistrais livros do Eduardo Frieiro, O diabo na livraria do Cônego, e do Adelto Gonçalves, Gonzaga um poeta do Iluminismo.  Este último uma sólida e definitiva biografia do cantor de Marília de Dirceu, o Doido de Moçambique, aquele que foi sem nunca ter sido.  
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Um fraterno abraço.

Jaime





terça-feira, 9 de agosto de 2016

UM AUTOR MACROCÉFALO III

Boa noite, paciente leitor.
Nem só de literatura vive o homem, mas também de feijão e este vai pela hora da morte. Um quilinho dez pratas. Até mesmo o feijão conseguiram tirar do brasileiro. Os políticos, os homens do poder acabaram com o país. Hoje o Brasil é nau à deriva. Somos motivo de riso e chacota no concerto das nações. O três poderes se locupletaram e aquela luz que havia no fim do túnel , a justiça, apagou-se. É o caos. Estamos DESERDADOS como aqueles personagens do romance homônimo do Sr. Carlos de Vasconcelos que aqui estamos analisando e comentando.
É de bom alvitre destacar que o estranho livro não trata apenas da sexualidade desembestada e animalesca que campeava nos seringais da Amazônia no tempo do famigerado ciclo da borracha, verdadeiro meteoro na economia brasileira. 
Não, perplexo leitor, o romance também versa sobre as relações de poder, denunciando de forma arrojada o martírio do sertanejo cearense nos seringais do inferno verde.
Ali, improvisa-se a caravana dos retirantes, forma-se a procissão dos desesperados, tomando o rumo ignoto da terra prometida, Amazônia, dos tesouros decantados pelos paroaras, o leite suculento da borracha, que vale ouro e dá felicidade e fortuna...
Mas, ao fim da caminhada só encontravam mesmo a morte, a miséria e a doença.  Mais um sonho de futuro que o Brasil não realizou.
Ao amigo leitor sugiro o contato direto com o livro.
Carlos de Vasconcelos, nasceu em 1881, no Ceará, na cidade de Granja e faleceu no Rio de Janeiro, aos 42 anos de idade, no ano de 1923.  Quando contava 18 anos seguiu para o Amazonas, lá chegando em 1899, para desempenhar a função de engenheiro geográfico.
No ano de 1902, vamos encontra-lo no Rio de Janeiro, completando seus estudos na famigerada Escola Politécnica, sendo agraciado com a carta de engenheiro civil e bacharel em ciências jurídicas e matemáticas.
Seguiu novamente para o Amazonas, onde permaneceu por dois anos nas cercanias do rio Yaco, provavelmente aplicando seus conhecimentos técnicos na divisão e legalização das terras.
Findo aquele prazo está de volta ao Rio de Janeiro para defender direitos de constituinte quanto a propriedade de terras na zona do Acre e Alto Purus.
Com projeto de criação do estado do Acre, apresentado na câmara, Carlos de Vasconcelos, promoveu luta acirrada pelos jornais, seguiu depois para a Europa e para os Estados Unidos, fixando-se por fim no Rio de Janeiro.
Sabe-se que defendeu a tese da americanização de forma exacerbada como era de sua témpera.
No Rio de Janeiro fundou uma industria que lhe garantiria o futuro, mas a explosão de uma autoclave em sua fábrica causou-lhe a morte prematura.
Dele disse o nem sempre justo mas genial Agripino Grieco , em sua Evolução da Prosa Brasileira, que se tratava de um autor macrocéfalo que possuía bastante talento. Sem nos aprofundarmos na intenção do "macrocéfalo" , destacamos aquele "bastante talento" que vindo da pena ácida de Grieco já é um louvor sem par.

Ao querido leitor peço a atenção para a próxima postagem.
Fraterno abraço,

Jaime